quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

A esquerda (ainda) não é lugar de mulher

Es voz libre y autónoma.
Es voz nueva, revolucionaria.

Estima-se que a população mundial chegue à marca de quase 7 bilhões de habitantes. Desses, apenas 2,8 bilhões, segundo estatísticas da Organização Internacional do Trabalho, estão empregados em trabalhos formais.

550 milhões de pessoas não possuem, como renda, um dólar por dia, vivendo abaixo da linha da miséria. A classe trabalhadora segue ainda hoje sendo explorada, garantindo os lucros dos patrões, das empresas. É a classe trabalhadora que garante que a Royal Dutch Shell, Exxon Mobil, Wal-Mart Stores, BP, Chevron, ConocoPhillips, Toyota Motor, dentre tantas outras, estejam classificadas entre as 10 maiores empresas do mundo. Garantindo, mesmo em anos de crise, montantes gigantes para as empresas.

Da mesma maneira que essa exploração é histórica e fundamental para o atual sistema capitalista, a resistência e organização também são marcas do proletariado. O surgimento de partidos, sindicatos, núcleos, associações, bem como de toda uma teoria contra o capitalismo e capaz de apontar para um cenário de libertação do proletariado marca que a classe trabalhadora resiste e luta contra a exploração e super exploração que está inserida.

A intenção desse texto, contudo, não é expor a opressão da classe trabalhadora e/ou os caminhos que a esquerda historicamente tem construído e acumulado para a mudança social.

Esse texto é para falar daquelas que passam desapercebidas entre ampla parcela da esquerda, ou que foram reduzidas a pontos protocolares em Assembléias, debates, Congressos. Para aquelas que ficam nas casas, garantindo sua gestão, enquanto a “esquerda” vai às ruas. Para aquelas que escutam belos discursos para fora das suas casas, mas quando voltam ao lar, escutam a mesma voz que liberta silenciando-as. Para aquelas que nunca ousaram estar na “esquerda”. Para aquelas que muito provavelmente nunca lerão esse texto. Para aquelas companheiras que ousam estar na esquerda e sofrem, todos os dias na sua militância, pelo simples fato de serem mulheres.

E, em dada medida, para aqueles que nunca nos viram, ou sequer ouviram.

Nós, mulheres, correspondemos a quase metade dos 7 bilhões de habitantes. Somos também a maior parcela vivendo abaixo da linha da pobreza, bem como somos a maioria nos trabalhos informais e precarizados. Recebemos cerca de 30% menos do que os homens, podendo chegar até 55% quando pensamos na questão de gênero ligada à racial, e não possuímos dados concretos sobre diferenças salariais e discriminação no mercado de trabalho quando se trata de mulheres lésbicas ou bissexuais, apenas especulações que apontam para maiores desigualdades.

A totalidade de nosso gênero realiza trabalhos gratuitos, invisíveis, justificados pelo “amor” e que garantem a manutenção desse sistema, muitas vezes não apenas em suas casas, mas na de outras, que atingiram um nível de vida melhor - mas que ainda assim são as responsáveis por garantir que o trabalho seja bem realizado e que não falte nada para ele ser executado. Somos também as responsáveis por perpetuar a prole humana e consequentemente a futura mão-de-obra a ser explorada por uns poucos. Somos responsáveis pelo alimento, conforto e saúde da espécie humana. E por isso nossa autonomia, dos nossos corpos e vidas, foi sequestrada.

Somos, além disso, mercadorias a serem vendidas e controladas através das mídias, produtos e preceitos sociais; nossa sexualidade é destinada aos homens, e não ao nosso próprio prazer. Nossos corpos devem estar sempre à disposição de academias, mesas cirúrgicas e das últimas descobertas da medicina para o “bem-estar”.

Mantemos, assim, uma ampla parcela do mercado capitalista: seja como mão-de-obra barata - afinal, mesmo o mais explorado proletário ganha mais do que a proletária -, seja como consumidoras de produtos para si, para o lar, para as crianças, ou ainda como objetos a serem comercializados e comprados pelos homens.

Mesmo assim, nós, mulheres, somos na maioria das vezes entendidas como pontos secundários na “real luta” do proletariado contra o capital.

Ora, como podemos ser assim percebidas, se dentre o proletariado somos as mais exploradas, e se somos oprimidas e exploradas inclusive pelos companheiros que são explorados pelos patrões? Se, como li uma vez, até o mais miserável trabalhador pode possuir uma escrava em casa, capaz de preparar a comida, cuidar dos filhos e garantir a ordem doméstica? Se somos mais da metade da humanidade que sofre com os impactos do sistema? E, sobretudo, como pode a esquerda tratar em um abstrato a “classe trabalhadora” sem realizar recorte de gênero e cor?

A própria estrutura e maneira do “fazer” político exclui a nós, mulheres. Não são poucos os relatos de mulheres militantes que se relacionam com homens militantes e, quando o casal tem um filh@, a mulher é a única que tem sua rotina alterada, tendo de optar entre a militância ou a maternidade. Quase todos os espaços da militância possuem uma estrutura rígida, hierarquizada, a qual as mulheres muitas vezes não conseguem alcançar. A dinâmica e metodologia dos espaços é pensado da maneira socialmente vista como masculina: racionalismo, com inúmeras disputas, frieza.

E em nenhum momento a esquerda pensa que a maior parte dos seus fóruns são espaços públicos que nunca foram destinado a nós mulheres, e que precisaríamos de mais tempo para aprendermos a ocupar esse espaço que nunca nos foi permitido ocupar. Que uma mulher vista em espaço público é considerada como uma “vulgar”, passível de ser utilizada por qualquer homem. E quantos companheiros da esquerda já se preocuparam se suas camaradas sofreram violência e abusos ao realizar trabalhos de base, em falas públicas etc e, por isso, acabaram por se afastare desses espaços? Quantos companheiros mesmo não são os próprios agressores das suas companheiras, coibindo-as de expor suas opiniões e divergências?

Justifica-se a ausência de quadros mulheres e maior participação pela nossa “inaptidão natural”, sendo que todas nós que militamos sabemos que temos de fazer o dobro que qualquer homem apenas para sermos vistas e minimamente reconhecidas. Mesmo estabelecendo a paridade, existem relatos da dificuldade em indicar nomes mulheres para os postos de direção e em fazer com que sejam tão respeitadas e referências quanto os companheiros.

Quando nós, mulheres, nos organizamos, recebemos, ainda, desaprovação por parte de alguns, ou escutamos piadas sobre nossa militância, o que não se vê com relação a nenhum homem que atue em outro campo da esquerda. Quando tomamos coragem- por já termos participado de espaços que nos permitiram um crescimento maior como militantes e mulheres - e denunciamos alguma situação de machismo dentro da esquerda, somos obrigadas, na grande maioria das vezes, a escutar que temos de compreender o companheiro, que ele cresceu em uma estrutura machista e que não tem culpa; que sejamos companheiras; que estamos ao mesmo lado da luta; que pensemos na conjuntura; que isso pode prejudicar a luta, manchar a imagem da esquerda.

Se nossos camaradas querem, verdadeiramente, construir uma sociedade socialista, como e por que alienam metade da população mundial e aquelas que são oprimidas e exploradas das suas fileiras? Como pensam que pode existir uma sociedade verdadeiramente justa, igualitária, onde todas e todos tenham liberdade, e não mais haja patrão e exploração, se entendem, nós, mulheres, como escravas, e ainda tratam o gênero oposto da mesma maneira que aqueles que combatem? E não são, afinal, vocês os primeiros a não serem companheiros, compreensivos e que mudam de lado na luta ao se colocarem junto daqueles que nos oprimem e exploram?

Não são vocês os primeiros a bradar a importância de toda a teoria militante, a se matar lendo Marx, Engels, a afirmar a importância de se romper com os vícios pequeno burgueses? E por que não possuem a mesma energia para estudar o feminismo e romper com o machismo que praticam? Por que se apressam tanto em pedir calma e “didática”, em refutar nosso radicalismo, se são ao mesmo tempo os primeiros a bater no peito e defenderem que são ultra radicais e que não deve existir nenhuma piedade com a burguesia?


E quantas de nós não nos sentimos intimidadas de dizer tudo isso em público, ou recriminamos a nós mesmas quando pensamos isso? Quantas não achamos que era melhor não ter feito alguma denúncia porque temos medo de estarmos atrapalhando a luta de classes? Quantas vezes nós mulheres não engolimos todas as opressões e/ou relevamos ações machistas em prol da harmonia e unidade? Em prol de “processos pedagógicos” pelos quais os camaradas “tem que passar”?

No final das contas, quantas de nós não queremos simplesmente desistir da militância porque não nos encaixamos na “esquerda”? Quantas de nós não vamos nos afastando aos poucos dos espaços públicos?

Ser mulher e estar na esquerda não é um processo fácil, mas gostaria de dizer (se assim fosse possível) a todas as mulheres do mundo, e em especial àquelas que já sofreram com companheiros da esquerda - e arrisco a dizer que com isso me refiro a todas as mulheres militantes -, e até para mim mesma, que se queremos um outro mundo não podemos nos retirar da luta, ainda que ela seja dupla para nós: a luta contra o sistema e, muitas vezes, contra nossos próprios companheiros e grupos, que acreditamos serem fundamentais para o processo revolucionário, mas que ainda assim nos oprimem e exploram. .

Ainda que seja muito difícil encarar uma plenária cheia deles te julgando, acreditando que suas denúncias de violência e agressão sexistas são meros golpes políticos, ainda que achem que a violência que sofremos desde que o médico anunciou que somos mulheres é inferior à opressão da classe trabalhadora, é preciso continuar na lut; ainda que nos excluam da classe trabalhadora. É nossa tarefa resistir e garantir que o socialismo seja construído pensando naquelas que mais são exploradas e oprimidas.

Isso não significa, em hipótese alguma, que devemos educar os homens da esquerda. Pelo contrário.

Se sentimos a necessidade de criar uma alternativa de sociedade com a classe trabalhadora devemos fortalecer todas as companheiras que se sentem atraídas pela esquerda, garantir que não tenham medo de falar, de se colocar, garantir redes de fraternidade e solidariedade feminista para que nós mesmas não tenhamos medo de nos posicionar, que consigamos sair da invisibilidade à qual estamos confinadas. Devemos assegurar que nenhuma companheira que realize uma denúncia seja julgada publicamente. Só conseguiremos garantir que continuemos na esquerda e que a própria revolução aconteça (uma vez que somos metade da população mundial) se conseguirmos nos fortalecer entre nós.

Que nenhuma de nós tenha medo de denunciar um homem da esquerda que deixou de ser um companheiro de luta para tornar-se um opressor das próprias mulheres que chamava de companheiras.

Temos de tornar a palavra de ordem “Sem feminismo, não há socialismo” em mais do que uma frase bonita para ser estampada. Faz-se necessário que entendamos nosso protagonismo, que entendamos que somente nós mesmas podemos nos colocar enquanto sujeitas política , e que precisamos nos fortalecer para ter coragem de apontar as contradições de gênero presentes na esquerda e combatê-las.

Se a esquerda ainda não é lugar de mulher, temos de tomá-la para nós. Se não fizermos isso, teremos uma revolução socialista apenas para metade da população, que não servirá a ninguém.

domingo, 7 de agosto de 2011

Todos dizem eu te amo



“Para as mulheres do mundo inteiro, que sofreram abusos,

na crença de que o conhecimento

trará compreensão; e a compreensão reconstrói vidas” [1]




“Essa é a história de Ellie - Eleanor Ames, residente em Nova York, natural de Norwalk, Connecticut, filha de Martha Lapone, dona de casa, e de Jonathan Shattuck, advogado. Simultaneamente, essa é a história de todas as outras Ellies e Sarahs, Lorrie-Anns, Corishas e Rosas da América e, na verdade do mundo inteiro.” [2]

É assim que Mary Susan Miller inicia seu livro “Feridas Invisíveis - Abuso não-físico contra mulheres”, em que fala a respeito da violência psicológica, social e econômica contra as mulheres. Como ela diz, essa é a história de todas as Ellies, Sarahs, Lorrie-Anns, Corishas, Rosas do mundo. É a história de todas as Marias, Carolinas, Anas. É a história das mulheres.

Como já disse, nesse livro, a autora, que trabalhara como assistente de tribunal, atendendo vítimas de violência (tanto física quanto não-física) sexista, descreve inúmeros casos de violência, caracterizando-os, explicando como acontecem, mostrando quem são os agressores etc. Iniciei a leitura desse livro para um outro texto, deixando-o de lado por um tempo, mas depois de certos acontecimentos do começo do ano, sua leitura tornou-se imprescindível.

Bom, fui lendo. E eis que, conforme a leitura avançava, eu me via cada vez mais em várias das situações descritas no livro.

E aí que você pára e pensa: Espera aí, eu já fui vítima desse tipo de violência? Aquilo que muitas vezes parece existir somente nas estatísticas? Como que eu não sabia? Como eu não percebi?

Pois é. É claro que eu não achava que o comportamento do meu então namorado era normal, muito menos aceitava tranquilamente. Me incomodava, me fazia mal, e era um relacionamento repleto de brigas. Mas entre sentir-se mal e reconhecer que é, de fato, uma violência, e uma violência exercida pelo fato de você ser mulher, existe um abismo que precisa ser superado. No caso, o abismo foi um tempo de nada menos que 4 anos.

Diz a Lei Maria da Penha:

Art. 7o São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras:

(...)

II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da auto-estima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação; [3]


A lei está aí. Mas são necessárias, no mínimo, duas coisas: 1) seu cumprimento, pois não adianta nada haver um papel assinado, se o que está escrito não é posto em prática; 2) Informação. Como uma mulher pode identificar se ela, ou mesmo uma amiga, está sofrendo violência? Como mostrar que tudo o que seu (ex) parceiro está fazendo lhe degrada, visa “controlar suas ações, comportamentos crenças e decisões”?

O livro citado anteriormente têm um questionário, retirado de um panfleto, que pode ajudar ao menos no segundo ponto (notem que a maioria dos pontos tratam de violência não-física):

“O seu parceiro:

  1. Bate, esmurra, esbofeteia, empurra ou morde você?

  2. Ameaça feri-la ou a seus filhos?

  3. Ameaça ferir amigos ou membros da família?

  4. Tem súbitos acessos de raiva ou fúria?

  5. Comporta-se de maneira superprotetora?

  6. Fica com ciúmes sem motivo?

  7. Não a deixa visitar a sua família ou os seus amigos?

  8. Não a deixa ir aonde você quer, quando quer?

  9. Não a deixa trabalhar ou estudar?

  10. Destrói sua propriedade pessoal ou objetos de valor sentimental?

  11. Não a deixa ter acesso aos bens da família, como contas bancárias, cartões de crédito ou o carro?

  12. Controla todas as finanças e, obriga-a a prstar contas daquilo que você gasta?

  13. Obriga-a a fazer sexo contra sua vontade?

  14. Força-a a participar de atos sexuais que você não aprecia?

  15. Insulta-a ou chama-a por nomes pejorativos?

  16. Usa a intimidação ou a manipulação para controlá-la ou a seus filhos?

  17. Humilha-a diante dos filhos?

  18. Transforma incidantes insignificantes em grandes discussões?

  19. maltrata ou ameaça maltratar animais de estimação?


Se você respondeu sim a uma ou mais das perguntas acima... pode estar sendo vítima de abuso”. [4]


Quantas de nós não respondemos sim à maioria das perguntas? Dos 19 pontos, posso afirmar que meu ex fazia pelo menos 10. Alguns de maneira mais clara; outros, não.

Nunca houve alguma ameaça, esmurros ou coisa do tipo. O máximo foi aquele segurão no braço no meio de uma discussão. O que não torna a violência menor. As brigas eram tão absurdas a ponto de eu realmente achar que nós dois sairíamos na porrada (aliás, talvez um dos motivos pelo qual ele não tenha resolvido bater em mim seja exatamente esse: haveria réplica).

Todos esses comportamentos atuam conjuntamente. A divisão da lista é somente para fins didáticos. Os súbitos acessos de raiva normalmente vêm junto com com o comportamento superprotetor, ciúmes sem motivo (afirmar a existência de “ciúmes sem motivo” implica aceitar que existe “ciúme com motivo”. Para mim, ciúme é um sentimento de posse, não é natural, e não é benéfico, mesmo que em doses pequenas. Por “ciúme sem motivo” entendo aqui o ciúme absurdo, aquela coisa que não se resolve com uma conversa e que parece loucura), não deixar a mulher ir onde quer, não deixá-la trabalhar etc.

Mas, comecemos pelo começo: eram comuns os acessos de raiva, devido a ciúme. Acessos de raiva ocasionados, inclusive, pelo fato de eu não sentir ciúmes. Apesar de ser um namoro à distância, simplesmente não entrava na minha cabeça a possibilidade de traição ou algo do tipo, o que era visto por ele como falta de amor da minha parte. A todo momento havia algo do tipo: você não está me dando atenção, você quer terminar comigo, você isso, você aquilo... é possível enumerar os casos, não em ordem cronológica:

Se não me engano, no meu aniversário de 16 anos, fomos eu, ele, um amigo dele, e outros colegas da minha escola para uma pizzaria. Estávamos todos lá, mas eu simplesmente não conseguia conversar com meus amigos. 1) Não podia conversar com quem estava perto, pois o comportamento do meu então namorado era tão ridículo (afinal, com tanta gente, minha atenção não estava voltada só para ele, que crime!) que conseguiu criar a provavelmente maior torta de climão que eu já presenciei em toda minha vida; 2) Não podia ir conversar com quem estivesse longe, pois isso seria “não querer ficar com ele”. E ele realmente disse isso. Uma amiga minha, sentada na outra ponta da mesa, me chamou, e ele reclamou de eu ter ido até ela para conversar. Eu disse: “mas ela me chamou”, como maneira de convencê-lo de minha “inocência”, o que diminuiria a reação dele, afinal, eu teria quebrado as regras impostas por ele não por minha vontade, mas porque um agente exterior o teria feito. Não é ridículo? Não lembro se falei pra ele que pouco importava eu ter sido chamada ou não, que eu podia ir aonde eu quisesse, provavelmente sim; mas, independente disso, o resultado foi nós dois brigando a noite inteira.

Resumo: esse foi um dos piores aniversários da minha vida. No meu aniversário do ano seguinte, agradeci aos vestibulares por impossibilitarem-no de vir a São Paulo (ele era um ano mais velho que eu): eu poderia comemorar meus 17 anos tranquilamente, sem a presença daquele idiota controlador. A vinda dele para o meu aniversário seria como a volta do marido para casa, depois do trabalho. No meu caso, o caos começava quando lembrava que teria que buscá-lo na rodoviária:

“Então, chega a noite para ambas [a mulher que trabalha e a dona-de-casa]: o escritório fecha, os amigos vão embora, o espaço aberto na casa é invadido. As mulheres contam que o abuso emocional começa antes mesmo de ele voltar para casa ou antes de ela retornar do trabalho; ele começa com a lembrança, começa com o pavor. Como na história de Cinderela, a magia do baile termina à medida que o homem abre a porta da frente ou a mulher vai para casa; para a escravidão do abuso, ela murcha, sabendo que não deixou para trás nenhum sapatinho de cristal” [5]

Apesar de se dar bem com a minha família, ele não gostava de momentos em que ficávamos todos juntos, pois eu deveria fazer o que ele queria, quando queria. Freqüentemente, íamos, meus pais, minha irmã e eu, à Lindóia, pois temos um trailer lá. E uma vez tive a brilhante idéia de levar a criatura.

Eis que minha família nos chama para ver um filme, mas ele queria ouvir comigo alguma estupidez (para ele, música) que havia levado. Eu fiquei com ele, e minha família chamando. Para ele, ver o filme com a minha família seria “deixá-lo de lado”, pois iríamos fazer o que eu queria, e não o que ele queria. Bom, larguei ele ouvindo o que ele queria, e fui fazer o que eu queria, que era passar uma noite tranquila assistindo a um filme com minha família. É óbvio que depois eu tive que pagar ouvindo choramingos, reclamações, e mimimis de tudo quanto é tipo.

Fazer trabalhos, estudar, ou ficar muito tempo sem falar com ele por qualquer outro motivo, também era inadmissível. Houve momentos em que eu estava llotada de trabalhos de escola para fazer (aquelas coisas de fim de ano: apresentação de trabalho, mostra de literatura, e é claro que eu e minhas amigas pegávamos tudo pra fazer), e ele ligava, chorando, implorando por atenção, dizendo que eu era muito má e que não estava dando atenção para ele: nada a ver com o fato de eu ter que construir árvores com madeira e jornal para o cenário de um teatro, costurar fantasias e, para isso, ter que passar o fim de semana todo acordada. O ápice foi ele me ligar torrando o saco, chorando, e eu simplesmente começar a chorar e mandá-lo desligar, dizendo que eu estava ocupada e ele devia era me ajudar e PARAR de me interromper. É claro que escrevendo dessa maneira tudo parece muito simples, mas foram momentos extremamente tensos.

Outro ponto interessante: ele tinha algum programa, criado por algum lunático, que possibilitava ver se a pessoa com quem você conversa abria alguma janela em cima da sua conversa de msn. Para ele, eu devia dar atenção 100% à conversa, não poderia ver nenhum outro site. Fazer isso seria uma prova de meu amor. Que lindo, não?

Algo a ser lembrado também é que, quando ele vinha para São Paulo, saíamos mais com os amigos dele do que com os meus. Na realidade, não lembro de sairmos nenhuma vez com os meus amigos.

Esses momentos momentos citados incluem ciúmes, comportamento superprotetor, tentativa de isolamento. Não queria que eu encontrasse meus amigos, se irritava quando eu saía sem ele, etc.

“Um homem psicologicamente abusivo, como o líder da seita com os seus seguidores, isola a mulher do resto do mundo para que ela não tenha nenhum apoio, a não ser o dele. Ele expulsa os seus amigos, que poderiam servir de medida da vida real sobre a sua própria condição fantasmagórica e só lhe permite ter contato com os seus amigos. Ele rompe ligações com a família dela, cuja preocupação poderia refletir a sua deterioração e aproxima-a da própria família.” [6]

Talvez o que tenha me feito escapar de situações piores que essa seja justamente o fato de o namoro ser à distância. Apesar de toda a pressão exercida por ele para que eu não visse outras pessoas, ela era menor do que seria se morássemos no mesmo lugar.

Momentos mais complicados se deram quando eu estava na casa dele: eu estava em uma cidade estranha, com uma família estranha (que, diga-se de passagem, eram um bando de conservadores, eu não esperava nenhum apoio de lá - mas, para minha surpresa, tive, em partes), tendo a criatura como único apoio. As brigas eram gigantescas. Uma delas, a maior, foi ocasionada não sei porquê, mas no fim ele queria me forçar a sair com ele alguma festa da cidade, e eu disse que ia tomar banho e dormir. Nós dois, aos berros pela casa, e até a mãe dele entrou no meio, para me defender e mandar o filho calar a boca. Disse que eu podia fazer o que quisesse, e que se não quisesse sair com ele, eu não ia sair. É claro que ele respondeu xingando a mãe de tudo quanto é nome e, no fim, acabamos saindo.

Nas férias, ele tinha que ficar em sua cidade sem sair e estudar para o vestibular. Reclamava e ficava furioso pois eu estava aqui em São Paulo me divertindo. Não raro, brigava comigo por causa disso. Queria que eu ficasse em casa, sem sair, pois, afinal, deveria acompanhá-lo em sua grande encruzilhada do vestibular; que, tal qual Amélia, passasse fome ao seu lado, e que achasse bonito não ter o que comer.

Novamente, na casa dele, houve um daqueles momentos que ninguém em sua sã consciência deveria pensar ser normal: eu não quis transar com ele, e, adivinhem: segundo ele, era porque eu, na realidade, não o amava, ia terminar com ele e sair por aí para transar com outro. E ele chorava. No fim, eu que fui chamá-lo para conversar, pedir para “não ficar assim comigo”. Eu, que não havia feito nada de errado, fui me desculpar, e pedir para que não ficasse bravo comigo.

Afinal, ele a convenceu: não era culpa dela se não conseguisse cozinhar do jeito que ele queria? E não era culpa dela se não conseguia conversar com ele de maneira inteligente? E culpa dela se o deixava constrangido por ter engordado? E culpa dela se não conseguia agradá-lo na cama?” [7]

Uma outra vez, eu comentei com ele que gostaria de começar a fazer exercícios (estava na pira de emagrecer, mas eu sentei, e passou), e ele começou a dizer que eu queria fazer aquilo somente para agradar outros homens, chamar a atenção. Eu era uma promíscua. Em outro momento, falei que não queria transar com ele sem tomar anticoncepcional. Ele brigou comigo, alegando que “quem não transa toda hora não precisa de pílula” (insinuando que eu queria me prevenir pra poder “sair dando por aí”), e que o anticoncepcional aumentava os seios (e claro, as mulheres os tomam só para ter peitos maiores - e como se não houvesse um período de adaptação para ver qual é o anticoncepcional que melhor serve para a pessoa justamente para não ocorrerem mudanças bruscas no corpo...). Sequer ouviu minhas explicações. Simplesmente brigou e pronto.

Em uma das brigas que tivemos na casa dele, ele saiu do quarto e voltou com os braços sangrando. Havia ido se cortar, para depois fazer chantagem emocional. Chorava, e me mostrava os braços sangrando. Dizia que fazia isso para aliviar a dor que eu causava nele. Vendo aquilo, eu deveria ter dado a faca a ele e mandado terminar o trabalho, mas não. Fui pegar água e algodão para limpar os cortes. Chantagem emocional com auto-mutilação. Aqueles cortes não eram cortes fundos, serviam somente para impressionar, chamar atenção. Serviam para demonstrar como a culpa era minha, sempre minha.

“Mas uma atitude que pode parecer um consentimento para a situação de violência, na verdade, revela uma relação de dependência, onde há vários mecanismos de coerção. A dependência os sentimentos de desvalorização e de culpa acabam fazendo com que a mulher acredite que não há saída. Numa relação afetiva, esses sentimentos se misturam com a esperança de que o homem vai mudar, ou mesmo com a idéia, bastante comum, de que ela é responsável por salvá-lo.” [8]

Lembro de contar isso a amigas, ainda durante o namoro. E nós começamos a rir, porque essa situação demonstrou que aquele cara era simplesmente patético. Mas, no momento em que ocorreu, foi uma situação horrível. E, apesar de patético, era uma violência, uma violência contra mim, e eu não reconhecia isso.

Em um outro momento, uma amiga minha postou, em minha página de recados do orkut, algo relacionado a sexo. Meu ex simplesmente foi brigar com ela, dizendo que ela não devia ficar postando sem-vergonhices para os outros, sendo que era tudo uma grande piada que havíamos feito em um dia qualquer. A garota nem sabia que ele era meu namorado. Imaginem a vergonha que foi quando disse a ela quem ele era.

Em outros momentos, ele já quis que eu deletasse coisas de meu fotolog (a moda, na época). Não pediu, pois ficou com medo de que eu brigasse com ele. Perguntei o que ele queria que eu fizesse com aquilo. Ele disse que gostaria que eu deletasse. Respondi que mesmo que ele não pedisse literalmente, ele não deveria se achar no direito de querer que eu deletasse algo simplesmente pela vontade dele, ciúmes ou qualquer outra coisa.

Outra situação foi a de me obrigar a parar de falar com um colega, simplesmente porque os dois não se gostavam. “Eu ou ele”, dizia. E o que eu fiz? Escolhi o primeiro, abusivo.

Houve um outro momento em que resolvi fazer um teste. Em 2004, bem antes de conhecê-lo, eu e minha família fomos para a Espanha, pois meu pai conseguira bolsa para fazer o pós-doutorado lá. Perguntei o que ele acharia se algo do tipo acontecesse naquele momento, com a gente junto, e se tivesse que ir embora. Ele disse que se eu fosse, isso significaria que eu não o amava, pois não teria feito o suficiente para conseguir ficar no Brasil. Ou seja, eu teria que, mesmo sem ser possível, abandonar minha família, deixar de conhecer um lugar que não conheceria em outra oportunidade e, é claro, eu teria que abrir mão das minhas opções, não ele.

O último ponto que relatarei aqui talvez seja o que, hoje em dia, me deixaria pior: a tentativa de me impedir de levar a cabo meus ideais políticos. Eu estava começando a me interessar de fato por política, e, na época, estava a todo vapor a campanha pelo voto nulo nas eleições presidenciais. Estávamos eu, ele e uns amigos (dele, é claro) andando pelo centro de São Paulo, e fomos abordados por militantes panfletando a respeito das eleições e do voto nulo, convidando para uma atividade sobre o assunto. Pegamos os panfletos e, quando o homem se retirou, meu ex e seus amigos começaram a fazer piadas estúpidas, do tipo: “o que eles vão fazer na atividade? Ensinar a votar nulo? Mostrar quais botões tem que apertar?”. Guardei meu panfleto.

Ao chegarmos em casa, comentei com ele que havia gostado do que havia no panfleto, que já pensava nisso há algum tempo. Ele quis que eu desse o panfleto para ele, que ele não concordava com aquilo. Eu falei que não, era meu e eu iria guardá-lo. Ele começou a chorar, e dizia “você vai fazer isso, mesmo sabendo que eu não gosto?”.

E fiz. Guardei o dito panfleto. Talvez ele ainda esteja aqui em casa, guardado em algum canto.

Durante um ano e meio, vivi um relacionamento abusivo. Como já disse, provavelmente o fato de ter sido um relacionamento à distância me ajudou, mantendo meu agressor longe de mim. Outro fator que provavelmente me ajudou foi minha educação. Apesar de ter sido levada pela vitimização, ele poderia ter me degradado muito mais se eu não tivesse uma boa auto-estima. Muitas pessoas pensam que “sempre foi assim e sempre será”. Apesar de eu não reconhecer a situação como uma situação de violência, sabia que quem estava errado era ele. Talvez, se não fosse isso, houvesse mais um silêncio submisso do que brigas. Mesmo vitimizada, mesmo ficando muito mal, eu sabia que o problema era com ele, e não comigo.

Amor?

Muitas pessoas devem pensar: “mas, quem ama, cuida. Quem ama não agride. Esses homens devem odiar suas mulheres.”

O objetivo da maioria dos vitimizadores, segundo Mary Miller, não deseja afastar as esposas. Se o fizessem, estariam afastando o objeto de seu controle. Mesmo quando é pedido o divórcio, eles o negam, alegando “amá-la”.

“Embora tanto um vitimizador quanto um parceiro amoroso possam identificar os seus sentimentos com as palavras ‘Eu a amo’, ninguém pode ler o seu coração. O comportamento é evidente para a maioria das pessoas, mas é difícil acreditar que um homem ame a mulher que espanca, apesar das suas afirmações. A verdade está mais perto de: ‘Eu amo o que ela faz para mim’. E o que ela faz para ele é lhe dar o controle”. [9]

O propósito do homem abusivo não é o de sentir prazer com a dor causada por suas ações, mas a de controlar. Ele é um fim em si mesmo. “Embora um homem possa explicar os seus atos dizendo: ‘Perdi o controle’, na verdade, o que ele fez foi ganhar controle.” [10]


A Naturalização da violência

Quando estava namorando a criatura, lembro de comentar sobre os ocorridos com uma amiga minha do colégio. Eu dizia que ele era muito ciumento, demais da conta. Ela respondia coisas como “ele é assim mesmo, é por causa da distância, é que ele sente muitas saudades. Dá uma trégua para ele”.

A única coisa que eu conseguia pensar era: dar uma trégua pra ele? Ele me torra o saco, me faz chorar toda hora, me faz passar mal, e sou EU que tenho que dar uma trégua?

Isso só mostra o quão naturalizada está essa violência. Ela também fica clara pelo silêncio dos outros. Muitas amigas minhas, após o término do namoro, vieram me dizer que não gostavam dele. Que, na verdade, odiavam-no. Pensei várias vezes, comigo mesma, que elas deveriam ter dito isso. Talvez eu tivesse me livrado da situação mais rapidamente.

Eu vejo o mesmo acontecer hoje com outras amigas. Elas sofrem abusos, mas ninguém comenta com elas. Ninguém reconhece a situação como abusiva. Todo mundo já conheceu um namorado chato de uma amiga, aquele que não a deixa sair com você, que não deixa ir na sua casa etc, mas dificilmente reconhecemos esses namorados como agressores. Não porque sejamos favoráveis à violência, mas sim por falta de informação, incapacidade de reconhecer essas situações.

Informação e apoio são essenciais

Este ano, vivi uma situação mais ou menos parecida. Acabei brigando com alguém que era muito caro para mim - mas somente amigo - justamente sobre um caso de violência contra a mulher. No fim, brigamos muito, e me vi sofrendo as mesmas coisas que sofri durante a relação: levar a culpa por coisas que não havia feito, o homem aproveitar-se do fato de eu estar em uma posição fragilizada etc. Desta vez, incluem-se criar situações fictícias de maneira a manipular a situação e fazer-me parecer culpada pelos problemas.

Mas, desta vez, havia dois fatores que me proporcionaram um reconhecimento rápido da situação abusiva: 1) Informação; 2) Havia quem me dissesse: “Júlia, é um absurdo isso que ele está fazendo com você”. Dessa maneira, eu consegui afirmar inclusive para o próprio agressor que ele estava sendo abusivo.

Dessa maneira, é importante que as mulheres saibam que elas não estão sozinhas. Quando sente-se agredida, dificilmente uma mulher erra. Ao primeiro sinal de abuso, procure ajuda, você pode estar se relacionando com um agressor. Eles não são bandidos malévolos, psicopatas. São homens comuns, desses que se vê todos os dias na rua. Qualquer homem pode vitimizar sua parceira. Procure apoio em amigos, procure na internet grupos que discutam violência sexista. Procure ajuda.

É imprescindível saber, também, que o abuso contra as mulheres cresce progressivamente. Muitas mulheres vítimas de abuso físico relatam terem sofrido abuso psicológico durante anos, mas nem sabiam o que era. E a situação não melhora, somente piora. Sim, ele quis dizer aquilo que disse, ele quis fazer o que fez, não é apenas uma fase. Ele não vai mudar.

Tão importante quanto pedir ajuda é dar ajuda. Passar informações para a frente já é um bom começo. Mas, caso você conheça uma mulher que está sendo vitimizada, converse com ela. É um assunto delicado, ninguém pode obrigar alguém a falar. Mas, pergunte, preste atenção no que ela fala sobre o rapaz, fale do assunto. Diga se ele for controlador etc. Se ela pedir ajuda, não ignore. Não diga que é normal, pois não é.

“Mais de sete em cada dez casos registrados de violência contra a mulher acontecem dentro de casa, e os agressores são maridos, namorados, amantes ou excompanheiros, além de pais ou parentes. Aliás, o risco de a mulher ser agredida por esses é nove vezes maior do que na rua” [11]

Cinco anos. Cinco anos da Lei Maria da Penha, e ainda temos que explicar às pessoas que abuso não-físico não é “outra briga de amor”. Cinco anos da Lei Maria da Penha. Aparentemente, há mais denúncias, mas pouco se faz para combater realmente a violência contra a mulher.

Fica o desafio para nós, feministas: vamos exigir o cumprimento da lei. Afinal, os lírios não nascem das leis.

Escrevo este texto na esperança de, com informação, conseguir evitar que mais mulheres passem pelo que eu passei. Parafraseando a própria Mary Susan Miller: O horror que as mulheres sofrem é real. Esse texto trata dessa realidade. Eu o escrevi para que o mundo a reconheça.

É pela vida das mulheres.


Notas:
[1] MILLER, Susan, Miller. Feridas Invisíveis - Abuso não-físico contra mulheres. Summus Editorial, São Paulo. p.5
[2] Idem, p. 15
[3] Lei Maria da Penha. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm
[4] MILLER, Susan, Miller. Feridas Invisíveis - Abuso não-físico contra mulheres. Summus Editorial, São Paulo. p.21
[5] Idem. p.35
[6] Idem. p. 50
[7] Idem. p.34
[8] Mulheres em luta por uma vida sem violência - SOF. p. 17. Disponível em: http://www.sof.org.br/arquivos/pdf/Cartilha_violencia.pdf
[9] MILLER, Susan, Miller. Feridas Invisíveis - Abuso não-físico contra mulheres. Summus Editorial, São Paulo. p.43.
[10] Idem. p. 27
[11] Mulheres em luta por uma vida sem violência - SOF. p. 12. Disponível em: http://www.sof.org.br/arquivos/pdf/Cartilha_violencia.pdf