segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Quem mandou nascer mulher?

Essa talvez seja uma pergunta que muitos não entendam. Quem mandou nascer mulher?
Podemos começar a resposta para essa pergunta (apenas começar, dada a extensão de possibilidades abertas pela questão) com a máxima de Simone De Beauvoir: “Ninguém nasce mulher. Torna-se”.

Mas, afinal, o que é tornar-se mulher? Os seres humanos nascem, a rigor, machos ou fêmeas, tornando-se, a partir de sua educação, homens e mulheres. Diferentemente do que se apregoa, tornar-se homem ou mulher não é uma transição natural, constituida por hormônios: é uma questão social. Ao nascer, garotos e garotas têm cada um uma educação diferente. Garotas são criadas para cumprirem determinado papel social, enquanto os garotos são criados para outro. A educação diferenciada para meninos e meninas é algo que vai desde o ambiente familiar até a escola. Não é o objetivo, por hora, aprofundar-se nas contradições de nosso sistema educacional; mas, a título de exemplo, vale a pena citar alguns fatos de conhecimento mais ou menos geral: a divisão entre os sexos nas aulas de Educação Física (e inclusive a estigmatização de esportes como “femininos” e “masculinos”), meninas serem consideradas “mais comportadas” e “mais cuidadosas” do que os meninos, enquanto os garotos seriam mais bagunceiros, menos cuidadosos.

Em outras palavras, o gênero é a construção social do masculino e do feminino¹.Ou seja, o gênero não é natural. O papel atribuído a homens e mulheres é construído, é social, cultural, passível de mudança. Não existe uma lei natural, pretensamente biológica, que defina que mulheres devem agir de uma maneira e homens de outra.

Não é permitido à mulher sair dos padrões estabelecidos para seu comportamento (por ser considerado algo como uma quebra de contrato). Uma mulher que não siga determinados parâmetros corre o risco de ter sua “identidade” questionada, inclusive sua sexualidade (afinal, ela seria identificada como não sendo mulher – o que acarreta uma série de preconceitos que não rotulam somente a mulher heterossexual, mas também a homossexual, aproximando-a do que seria “masculino”). O raciocínio é mais ou menos o seguinte: se uma moça não se comporta como é esperado, concluí-se que ela é lésbica, um “homem”.

Vale lembrar que , se existe um modelo do que é “feminino”, também existe um modelo do que é “masculino”, modelos estes que atuam um em oposição ao outro. Essa relação, no que tange à liberdade de comportamento, acaba por também ser prejudicial para o homem - em diferentes níveis, que serão explicados mais adiante. Se um garoto é sensível ou frágil, sua identidade e sexualidade podem também ser colocadas em questão, afinal, sensibilidade e fragilidade seriam características estritamente femininas, enquanto as características masculinas seriam a força, a brutalidade etc.

Agora, o segundo ponto: Quem mandou nascer mulher?

Três em quatro mulheres um dia sofrerão algum tipo de violência, e esse não é um problema exclusivo de países subdesenvolvidos, ou de “terceiro mundo”. De acordo com estatísticas na Colômbia, a cada minuto pelo menos seis mulheres são agredidas; na Espanha, um estudo demonstra que durante o período de gestação a violência contra a mulher pode se intensificar, o que leva a abortos espontâneos, doenças físicas e psicológicas; a Nicarágua apresenta os mesmos índices de violência sexual que países ocupados militarmente (onde estupros são utilizados como armas).

Entre 40% e 70% das mulheres mortas são assassinadas por seus maridos ou namorados em países como Austrália, Canadá, EUA, Israel. Mais da metade de todas as mulheres assassinadas na África do Sul, em 1999, foram mortas por seus parceitos, resultando em um feminicído íntimo a cada seis horas.Entre 40% e 50% das mulheres na União Européia sofrem de assédio sexual em seu ambiente de trabalho.

A mutilação sexual contra mulheres em alguns países (como a Guiné, Egito e Eritréia) também é assombrosa: a percentagem de mulheres de 15-49 anos que sofreram e sofrem dessa violência é extremamente alta, aproximando-se de 100%.

Os dados apresentados são a forma escancarada do que apresentamos anteriormente: vivemos em uma sociedade que prima pela supremacia masculina em detrimento da liberdade feminina, uma sociedade patriarcal.

A luta pelo feminismo e direito das mulheres, mesmo com esses dados alarmantes, contudo, continua sendo ignorada. O machismo se prolifera como uma situação normal, entre piadas, músicas, postagens de blogs, anuncios de cerveja, mantendo um pensamento arcaico responsável pela morte anual de milhares de mulheres no mundo todo.

Esses preconceitos disseminados na sociedade podem ser visto inclusive na esquerda. Nós que temos uma pequena experiência no Movimento Estudantil podemos perceber que alguns militantes quando não negligenciam a referida pauta, tecem comentários machistas, opressores, muitas vezes ridicularizando a causa, sem perceber que o machismo e o sexismo estão no mesmo patamar que o racismo, a homofobia, e a xenofobia, cometendo o terrível deslize de criar uma hierarquia das opressões.

Mas, lembremos: os seres humanos fazem sua própria história. Dentro de determinadas condições, somos capazes de agir de maneira a mudar nossa realidade, e é essa a nossa intenção. Ajudar, de alguma maneira, no desenvolvimento teórico da luta feminista, não mantendo-se, porém, somente na teoria: é preciso transformá-la em prática, força material, ações concretas.

Ocupando todos os espaços possíveis, e resgatando a importância da pauta para a esquerda. Em um movimento feminista ambicioso e radical, consciente de que seu inimigo é uma constituição de sociedade, o patriarcado. Um movimento consciente de que a nossa meta é mudar toda uma configuração do que é ser mulher na sociedade. Expondo para quem quiser ver como fomos -machos e fêmeas- transformados em produtos de masculino e feminino com o passar dos séculos. Não sendo, essas, condições naturais. Repetindo uma vez mais Simone De Beauvoir: ninguém nasce mulher, torna-se.

Por isso é sempre válido lembrar:

Meu nome é resistência. Leia-se: mulher!


[1] SAFFIOTI, Heleieth I.B, Gênero, patriarcado, violência, ed. Fundação Perseu Abramo, p. 45.

35 comentários:

  1. otimo post, viu! sempre que leio posts assim, fico feliz de ver o engajamento, mas certas estatisticas dao uma dor no coraçao...

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  2. Sempre bom ver mais blogs com essa temática surgindo e se espalhando, e assim alcançando mais pessoas e difundindo os ideais!
    Boa sorte pra vocês!

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  3. Adorei o post! Muito bem escrito e é isso mesmo.
    Ser mulher é estar exposta à todos os tipos de violência todos os dias.

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  4. Parabéns pelo texto!! Fez uma ótima introdução ao tema. Já adicionei aos meus favoritos e serei frequente aqui! Beijos

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  5. tenho a sensação de que o movimento feminista tem perdido força a cada dia mais no Brasil e não raramente me sinto isolada em um mundo extremamente machista. cai nesse blog meio que sem querer e ao ler o texto de vocês fiquei mais animada em ver mulheres jovens prontas para difundir e lutar pelo movimento feminista. ótimo texto, visitarei sempre.

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  6. Peguei link lá no e-mail do grupo blogueiras feministas e adorei o texto de voces !
    Muito bom o visual do blog, as imagens voces estão de parabéns pela iniciativa... Estou difundindo voces pela rede! E serei assidua aqui!

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  7. Meus parabéns. O texto atende ao propósito de introdução ao tema que por aqui será abordado. Também foi favoritado aqui e as visitas serão frequentes.

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  8. meninas! grande iniciativa! eu fico assustado com o conhecimento zero que as pessoas no geral possuem do movimento feminista, quase tão estigmatizado quanto as mulheres em si. eu mesmo sei muito pouco do histórico do movimento, evolução, seus contornos atuais, etc..
    mas mais preocupado fico de ver o quanto as próprias mulheres não possuem informações a respeito.
    quero ver esse blog crescer muito!
    boa sorte e força nessa luta!

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  9. Que ótima estreia, moças! Boa sorte pro blog. Espero que vá longe.

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  10. Muito, muito legal!

    Parabéns por terem feito esse blog; essa iniciativa é muito importante.

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  11. Olá!
    Faço parte do grupo blogueiras feministas (apesar de não escrever somente sobre feminismo) e vi o link lá. Parabéns, gostei muito do post!

    Espero que o blog alcance muitas pessoas, fazendo com que elas reflitam mais sobre o feminismo e todos os assuntos relacionados e abordados por nós feministas.

    Vou ajudar a divulgar pelo twitter, facebook... e já estou seguindo! (:

    Beijos.

    --

    http://mandaamerda.blogspot.com
    http://twitter.com/mandaamerda

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  12. Vocês tem twitter? Gostaria de seguir para poder ver suas publicações. O meu é @santanadai, se tiverem me siga.

    Parabéns pelo texto, vi na CartaCapital e achei muito bom!

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  13. Reproduzo aqui comentário que eu fiz no site da CartaCapital:
    "Olá. Tenho minhas simpatias e antipatias pelo movimento feminista. Por um lado, acho que o machismo ainda é uma atitude persistente no nosso mundo e que temos que combate-lo no seu terreno mais espinhoso: na cultura. É importante identificar onde ele se manifesta, sobretudo na sociedade brasileira (afinal, é nela que atuamos). O machismo está nas propagandas, nas mulheres que se tornam dependentes, nas que recusam educação, nas que recebem salários desiguais, nas que aceitam serem diminuídas por seus companheiros etc etc. Por outro lado, acho que o discurso feminista se fecha e se torna agressivo para muitas mulheres, que por vezes acabam interpretando-o como um movimento hostil aos homens. Acho que sempre é bom que o movimento faça autocrítica, que tente melhorar seu discurso e que amadureça. O desafio é muito grande: encontrar o tom certo para tratar do assunto, sem ser caricato ou antiquado é muito difícil. Sou estudante de jornalismo e tenho um projeto de criar uma mídia voltada para mulheres, mas com conteúdo diferencial, de economia, política, sociedade, arte, moda etc. Não consegui tirar do papel porque não tenho certeza se as mulheres vão gostar, se elas vão se sentir à vontade com o conteúdo, com o discurso. Se não conquistar o público feminino, não tem sentido. Boa sorte com o blog, sempre apoio essas inciativas. Só tenho uma sugestão: tentem mudar um pouco o tom dos textos, está muito agressivo, caricato e , por conseqüência, distante das mulheres."

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  14. Adorei o texto! Ganharam mais uma adepta!

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  15. Oi, moças,
    Passei por aqui via Twitter e quero parabenizá-las pelo texto, que incita à reflexão e ao desapegos dos papéis dos gêneros, dos quais há muito torço para que a sociedade se liberte. Vou acompanhar o blog. Obrigada por terem-no criado!
    Estou tmando a liberdade de compartilhar no Twitter e no Facebook, além de linkar no meu blog, www.camilafernandes.wordpress.com. Tudo a ver.
    Beijos!

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  16. Olá, a todos que comentaram sobre nosso blog. Ficamos muito felizes pelos parabéns e pelas considerações em geral.

    Sobretudo por estarmos conseguindo dar visibilidade para a causa e aglomerar mais pessoas em torno da pauta. (Que é o mais importante).

    Não esperávamos a quantidade de acessos, nem de comentários, e muito menos termos saído no site da Carta Capital.

    Vamos continuar com tudo no blog, e esperamos contar com todos.

    Abraços!

    PS: quem quiser nos seguir no twitter os @ são: @araujo_ana,@_julinha
    e @isuselessdotbr

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  17. o texto foi mto bem construido - parabens e sucesso na luta

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  18. Ei, tô comentando no primeiro post do blog, uhuuuuuuuu! Eu tenho atualmente um blog de textos sobre política, mas antes eu postava artigos que eu escrevia na faculdade, Fruto de uma conversa com uma feminista, escrevi este do link abaixo, sem fontes nem dados, com muita emoção e desabafo, é até parecido conceitualmente com o de vocês. Foi escrito em março de 2005. Parebéns pelo blog!

    http://asarvoressaofaceisdeachar.blogspot.com/2009/01/voc-um-mulher-ou-uma-homem.html

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  19. vocabulário agressivo é distante das mulheres porque mulher é sempre delicada?

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  20. Olá
    Cheguei aqui pela Carta Capital e gostei muito deste primeiro texto de abertura. Quero acompanhar as postagens e linkei vcs lá no meu blog e fiz uma indicação de leitura.
    Parabéns pela inciativa!

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  21. Oi. Adorei a temática do blog. Acho que essa não é uma luta somente das mulheres mas de todas as pessoas que já não aguentam mais tanta violência!

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  22. Total apoio a matéria, apenas com uma resalva! Aos homems modernos, fica a saudade de poder encontrar mulheres "meigas, femininas, dóceis, bem humoradas e carentes de um verdadeiro amor! Quem for inteligente compreenderá o que digo.

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  23. Meninas, gostei de tudo, menos da última frase. A intenção é boa, a identificação do feminino com a resistência, porém soa como se a resistência fosse ou devesse ser agora uma propiedade ou característica típica da mulher.
    Eu também resisto ao machismo, e não sou mulher, apesar de que não estou orgulhoso de ser homem mesmo sendo heterossexual.
    Sei lá, não gosto desse tipo de auto-exaltação, de chamada a luta a través da auto-afirmação. Pode ser que eu esteja errado.
    De todas as formas, trabalhem daí que trabalho daqui, nós podemos contribuir para a pane desse sistema arcaico e cruel.
    Um beijo e parabéns pelo da Carta!

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  24. Parabéns pela iniciativa meninas! Cheguei até aqui por indicação da Mari - Viciados em Colo e gostei muito desse espaço.

    Passarei por aqui mais vezes, com a certeza de que encontrarei mais textos muito bons por aqui!

    Bjos!

    Ivana

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  25. Pablo,

    A última frase não coloca a resistência como algo somente feminino,mas destaca que ser mulher é resistir; as opressões, aos estereótipos. É um chamado para a luta feminista.

    Fico muito feliz de que também seja partidário da causa.

    Abraços.

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  26. Mto boa a crítica sobre a displiscencia com que a esquerda aborda o machismo e como o discurso feminista não é contemplado pelo atual discurso de esquerda! A "hierarquia das opressões"
    Em pensar que em pleno mandato da primeira presidenta, de suposta esquerda, e que seria um avanço na causa, temos um vice-presidente casado com uma modelo de 27 anos.
    Viva o amor LIVRE, mas algo cheira mto a podre nisso....

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  27. Lindonas,
    todo apoio ao blog de vocês! Se eu puder ajudar em qualquer coisa vocês me avisem hein? (Se quiserem um Guest Post lá, se quiserem um texto meu aqui... esses e outros rolos!)

    beijões!

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  28. Já é difícil achar um blog bom. Mais difícil ainda se você der uma olhada nesses blogs que se dizem "femininos" e, contrariamente a isso, propagam a cultura massificada da estruturação dos gêneros. Este aqui não, é bem diferente. O texto é muito bom. Sigam escrevendo, companheiras.

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  29. Meninas! Grandiosíssimo texto! Parabéns pelo blog, estou ansiosa para novos posts ;)

    Beijos *-*

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  30. Belissimo post!
    Parabéns pelo blog e pelo engajamento. Desejo a vocês a melhor sorte do mundo!

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  31. As estatísticas partem o coração... :/
    Parabéns pelo texto!

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  32. Parabéns pela argumentação!
    Caroline, não achei o tom do texto agressivo. Mas acho relevante levantar essa questão... acho que o meu parâmetro de agressividade deve estar habituado a outro tom, rs.
    Como a Elisa disse, será que o vocabulário agressivo é distante das mulheres porque mulher é sempre delicada?

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  33. Mto bom o texto, temos q refletir e fazer refletir.
    Mulheres são tão capazes qto os homens, são iguais e não subalternas.
    Já basta!
    A sociedade precisa abando nar o conceito arcaico de mulher cuidadora do lar e e ducadora dos filhos como única possibilidade de realização feminina.
    A expressão "Amélia é que era mulher de verdade" deveria ser banida do contexto anual, as mulheres estão sendo exterminadas, tratadas como animais.
    Ninguém aqui está sugerindo a supremacia feminina, mas estamos EXIGINDO IGUALDADE.

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