domingo, 20 de março de 2011

Obstetrícia da USP, onde ficamos nisso?

A saúde da mulher sempre foi tida como situação secundária, bem como sua figura nas ciências biológicas, como todas nós sabemos. O curso de Medicina da USP, por exemplo, trata pouquíssimo ou nada das questões que concernem a saúde da mulher: dentro de toda a grade curricular, somente quatro disciplinas tocam especificamente em pautas femininas. Enquanto doenças como o câncer de próstata recebem mais verbas públicas para pesquisa e tiveram seu diagnóstico e tratamento bastante desenvolvidos nos últimos 5 anos, o câncer de mama, por exemplo, tem suas pesquisas mantidas graças a investimentos majoritários do setor privado, e muito pouco ou quase nada se avançou.

A saúde da mulher e suas patologias e carências específicas pouco recebem atenção. Nas últimas décadas vemos o fenômeno das cesáreas crescer vertiginosamente (48%, sendo que na rede particular vão de absurdos 70% a inimagináveis 90%, quando a Organização Mundial de Saúde preconiza que o
número de cesáreas não ultrapasse os 15%) desacompanhado de qualquer auxílio ou possibilidade de escolha por parte das mães, somado ao alarmante dado de 25% das mulheres que alegam terem sofrido algum tipo de maltrato enquanto estiveram hospitalizadas para darem a luz.

“Na década de 90, as estatísticas do Ministério da Saúde apontavam que as complicações do trabalho de parto representavam a terceira causa de internação, ficando também em terceiro lugar como responsáveis pelos maiores gastos globais com internação hospitalar.”

Frente a isso, o curso de Obstetrícia da USP (o único do Brasil inteiro) foi re-fundado com o intuito de prestar atenção a fatos geralmente deixados de lado nessa busca por melhor atendimento às nossas
necessidades no que tange a maternidade e o parto, seguindo o modelo europeu. Esse mesmo curso existiu até 1971 na USP, quando é fechado devido ao artigo “6º do Estatuto da Universidade, que não admitia a “duplicação de meios para fins idênticos ou equivalentes no mesmo município”. Esse princípio se mantém no artigo 11º do atual Estatuto da Universidade de São Paulo.“ Alegaram, portanto, que o curso de Enfermagem era capaz de formar obstetras e que, portanto, o curso de Obstetrícia feria o estatuto vigente.

Mas se compararmos as duas grades curriculares do curso, veremos que a proposta do curso de Obstetrícia diferencia-se e muito do de Enfermagem [1], inclusive na abordagem realizada sobre o parto, a gravidez, o pré-natal e o acompanhamento da mãe e do recém-nascido. Logo, percebemos que o curso de enfermagem não abarca as mesmas questões.

A reabertura do curso, contudo, também não conseguiu garantir uma melhora palpável no atendimento à mulher. Além do pouco tempo de existência do curso (completaria seis anos em 2011), começamos pelos problemas em se reconhecer o bacharelado, e conseqüentemente, de ser empregado depois de completar a graduação, sua localização em um campus novo da USP (EACH) que recebe menos visibilidade que outros, o que gera um vestibular pouco concorrido e o faz entrar na lista dos cursos de baixa demanda social, as seqüentes reformulações em sua grade, dentre outros. Existe ainda a problemática de que essa profissão é menos valorizada pelo fato de que nosso sistema de saúde está atrelado também ao sistema, e, portanto, visando o acumulo de capital. Ou seja, é preciso fazer tudo no menor tempo possível com o maior ganho:

“cesárea leva 20 minutos, enquanto no parto vaginal o médico tem que permanecer no hospital por
12 horas ou mais.”


“Médicos e hospitais quase sempre são bem melhor remunerados pela cesárea do que pelo parto vaginal.
Estudos dos EUA mostram que as candidatas mais prováveis à cesárea são mulheres brancas, casadas, que possuem plano de saúde privado e que dão à luz em hospitais particulares.”

Logo, a obstetrícia não corresponde a esse sistema hospitalar, não sendo interessante sua implementação em larga escala, ou melhor, nem sendo estimulada.  Por esses motivos ele sofre a ameaça de ser fechado, ou ter o número reduzido de vagas no próximo processo seletivo. Ou seja, ao invés de se implementarem medidas que valorizem a profissão, negociar o reconhecimento da profissão devido sua necessidade às mulheres, e realizar uma reforma curricular baseada nas necessidades do corpo discente e docente, Boueri, diretor da EACH, realiza uma afronta à todo um projeto de educação e ensino que reconhece as especificidades e demandas do parto e pós-parto, caracterizando um prejuízo e ataque às mulheres brasileiras. 

Além disso, essa atitude evidência o projeto de reforma divulgado ano passado pelas mídias em geral e apresentado pelo reitor João Grandino Rodas sobre as “modernizações” nas graduações da USP. Mudanças essas que podem começar a acontecer em outros cursos, tal qual Letras, Pedagogia, Geografia,
Filosofia; por não estarem ligados à critérios mercadológicos, nem atenderem a chamada “demanda social”, ou seja, relação candidato/vaga alta.

O Movimento Estudantil da USP vem discutindo desde então o que essas mudanças representam para a Universidade, tentando levar o debate ao maior número possível de alunos. Entendemos que esse ataque que o curso da EACH sofre está vinculado a uma série de reformas que se anunciam e por isso
chamamos tod@s para o ato em solidariedade à Graduação de Obstetrícia e também para marcamos presença e dizer que nós não aceitaremos que nossa educação e saúde sejam leiloadas!

dia 22, terça-feira, às 9h em frente à reitoria!

A reitoria da USP fica no campus Cidade Universitária do Butantã, na rua Anfiteatro, 513.

Divulgamos aqui, também, o link do abaixo-assinado contra o fechamento do curso: http://www.abaixoassinado.org/assinaturas/assinar/8452




[¹] As duas grades curriculares dos cursos: Enfermagem: http://www.ee.usp.br/ensino/graduacao.asp e Obstetrícia: http://www.each.usp.br/obstetricia/curriculo.htm

3 comentários:

  1. Nossa! Que absurdo!E nem é divulgado pela mídia!!!
    Eu realmente acho q os cursos com maior demanda social de veriam ter mais vagas, para a relação candidato/vaga ser um pouco mais proporcional, mas acredito que não deve reduzir vagas de nenhum curso! Aliás cursos como medicinha, engenharia, economia, etc tem mta procura pq são mto evidenciados pela mídia principalmente na USP, q sendo a maior do país devia abrigar com qualidade todos os tipos de curso.
    Gosto mto do blog, pq sempre traz informações q ñ vemos na mídia.
    Bom trabalho!

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  2. É importante olhar todos os atingidos por esses processos, desde a Mulher Genitora, o Ser que recebe um Corpo fisico, e a Sociedade que esse Ser gerará.
    O quanto das angústias dos seres não serão traumaticas recebidas no momento do parto?!momento primeiro de contato com o Mundo que Hoje habitamos.
    É sabido que os corpos da personalidade desde o fisico até o mental inferior criam couraças a partir das experiencias que vivemos, Nos fechando a determinadas experiencias e nos abrindo a outras.
    Como pode estar aberto e apto a enfrentar o Mundo um ser que teve seu primeiro contato com o Mesmo, uma agressão ao seu envólucro protetor e sustentador(o ventre materno), pacto de milhões de anos entre Mães e Filhos sobre como e quando nascer, ser recebido arrancado de dentro de sua morada pela perna e tomar um tapa como primeiro afago desse Mundo, e depois para piorar passar por toda uma equipe antes de poder receber o contato dAquela que até pouco era realmente uma extensão de seu Ser.
    O que pode gerar essa contato para o individuo e para o Mundo que o cerca, o que tem gerado?

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  3. Isso é realmente um absurdo. Já havia visto comentários a respeito, mas nunca uma divulgação ampla. Os dados são impressionantes. E o pior que, na minha opinião, só podem ser fruto de má fé por parte dos médicos. Eles só querem mesmo é dinheiro e que se dane a saúde alheia. E olha que juraram defender a vida humana.

    Além disso, ainda tem a questão dos maus tratos na hora do parto, (veja aqui: http://www.revistapenseleve.com.br/exibe.php?id=1656 e veja aqui: http://www.corposaun.com/mulheres-maus-tratos-parto/13946/)e os jornais não estão nem aí.

    http://oopinativo.blogspot.com

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